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NÃO SE NASCE PRIMEIRO ARTIGO, TORNA-SE

12/16/2015

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Foto: Wikicommons
Eu me tornei mulher há menos de um ano. No entanto, durante toda a minha vida, fui considerada como tal no dia 8 de março. Recebi chocolates e congratulações. Recebi abraços e rosas de plástico. Mas eu sentia que não estava recebendo o que eu deveria, por direito e por instinto.

Simone de Beauvoir, em uma de suas mais famosas citações, disse: “Não se nasce mulher, torna-se”. E foi exatamente o que eu percebi ao longo da minha vida: a cultura em que somos criadas é a responsável por determinar quem futuramente seremos. Principalmente em Minas Gerais, onde há uma herança fortemente conservadora, a minha educação e a de todas as mulheres à minha volta foi extremamente machista. Fomos ensinadas a nos calar, a saber a hora de deixar um homem liderar, a aceitar e a ser passivas. Porém, o meu grande problema era que eu não conseguia me identificar com o que a sociedade determinava como inerente ao feminino. Nunca gostei de ser silenciada, adoro tomar as rédeas das coisas, e não aceito sem antes contestar.

Apesar disso, recebia os tradicionais parabéns e rosas no misterioso 8 de março. O que eu não sabia era que essas rosas, ainda que de plástico, tinham espinhos – como todas. No dia 9 de março, acabavam-se os parabéns e os discursos nos almoços de família, dando início ao show de horrores. Começava o fiu-fiu na rua, o “você não pode jogar futebol porque é menina”, o menosprezo de ideias, a preferência por um homem em serviços de liderança; enfim, todo aquele pesadelo cotidiano de ser uma mulher – e pior ainda, uma mulher gauche.

Esse termo, no original em francês, fez história em “L’albatross” (O Albatroz), de Charles Baudelaire, o inventor da modernidade literária. Esse poema compara o poeta a um albatroz, ambos entidades divinas, pertencentes ao céu; mas, quando exilados na terra, não podem se utilizar daquilo que os torna especiais – no caso do albatroz, as asas enormes; e do poeta, a poesia. Portanto, eles seriam gauches: indivíduos marginalizados, errados, coxos.

No Brasil, essa ideia se popularizou com Drummond, no famoso “Poema de Sete Faces”, onde vociferamos: “Vai, Carlos! ser gauche na vida”. Porém, estamos falando de mulheres, e é claro que uma escritora brilhante se apropriou do termo, com a devida licença poética, e adaptou essa ideia ao universo feminino.

Adélia Prado, dispensa introduções. Fazendo uma intertextualidade genial com Drummond, Adélia torna seu anjo antes torto, esbelto; e o tira da sombra, lhe dando uma trombeta. No seu caso, percebemos que a sina agora mudou – o poeta deixaria de ser um marginal para se tornar um porta-bandeira, carregando consigo todo o peso de sua espécie envergonhada. Por fim, ela termina com uma máxima que dá um tapa na cara do patriarcado: “Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. / Mulher é desdobrável. Eu sou.”

​Ou seja, enquanto Drummond e Baudelaire se definiam e se limitavam como gauches, a lírica feminina de Adélia revoga tudo isso: a mulher não se restringe. Quem sabe, se eu criança tivesse lido esse poema, entendesse que não existe um estereótipo de mulher que devemos seguir. Mulheres são seres humanos, complexos, diversos, não podendo ser separados em colunas determinadas por uma cultura machista e conservadora. E eu, jogando fora as rosas de plástico, percebi isso há menos de um ano, quando oficialmente me tornei uma mulher.

Originalmente postado em 08/03/2015, no link: http://obviousmag.org/poetiquase/2015/03/nao-se-nasce-primeiro-artigo-torna-se.html#ixzz3uWUuhSqJ 
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